Está um final de tarde quente, com a cor do céu a misturar-se de forma bela e improvável com a planície alentejana. Há um palco e dois homens que tocam, com um único objectivo: obter o som que os possa embrulhar de forma ideal na noite que está a chegar.
Os homens chamam-se Seu Jorge e Michael Valeanu. Se sobre o primeiro pouca coisa haverá a dizer para além do que já se sabe, do segundo valerá a pena fazer breve referência: um jovem guitarrista de técnica fluida, que com a sua guitarra jazz complementa de forma quase telepática as harmonias e transições que Seu Jorge gosta de fazer com o seu violão. Tocam, como se o mundo não existisse, dois temas de forma perfeita: É Isso Aí– versão de The Blower’s Daughter de Damien Rice e um dos grandes sucessos de Seu Jorge – e o clássico Samba da Minha Terra, com direito a improvisação vocal e de guitarra absolutamente excepcionais. Depois, Seu Jorge diz: “Está bom, bicho.” E como se nada tivesse acontecido regressam aos camarins.
Tinham razão. Era o soundcheck e tudo estava por acontecer.
E aconteceu. Desde o início que se suspeitava que esta edição do EA LIVE Évora iria ser extraordinária e ainda mais única. Antes do concerto, um filme de breve homenagem a José Mateus Ginó – Presidente do Conselho Executivo da Fundação Eugénio de Almeida e grande impulsionador do EA LIVE, desaparecido prematuramente. Depois Seu Jorge e Michael regressam ao palco, desta vez perante uma plateia que esgotou por completo o belíssimo Páteo de São Miguel. E Seu Jorge avisou, logo de inicio: «Hoje estou muito inspirado para tocar sambas”.
Isto foi mais do que uma declaração de princípios – foi toda a filosofia de um espectáculo excepcional condensada numa frase. Seu Jorge abandonou alinhamentos prévios e navegou à deriva das suas próprias emoções, sentindo o momento e arrastando nessa cartografia afectiva todos os que ali estavam. Ninguém podia prever a próxima canção; e essa imprevisibilidade foi a magia que tornou aquela noite irrepetível. Ouviu-se Você Abusou e Adriana Calcanhotto (“A busca de Adriana e minha é a mesma, é a busca da beleza”, disse Seu Jorge, emocionado) e o Retrato a Branco e preto de Jobim e Chico Buarque. E cantou, e cantou com uma alma que, com a profunda compreensão musical de Valeanu se estendeu muito mais para além daquele lugar. E de repente Évora era o Brasil e depois o mundo e sempre sem sair de nós.
A noite aproximava-se do fim, contra a vontade de todos. Seu Jorge oferece à plateia o primeiro êxito para cantar: É Isso Aí, cantado a capella e com um coro de cerca de 500 pessoas. E depois tudo em crescendo: Carolina, Burguesinha e uma extraordinária versão de Jorge Ben não deixaram que os corações parassem.
E não pararam, amigos, não pararam. A caminho de casa, na noite bela e acolhedora de Évora, conseguia-se ouvir as palavras das almas que tiveram a sorte de assistir àquele momento. E as palavras eram:
“Obrigado. Obrigado.”
Texto: Nuno Miguel Guedes
Fotografia: Luis Mileu
Foi um lindo concerto. Com alma!!! Com gentileza e muita alegria!
Trouxe o melhor do Brasil para Portugal.